segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Ó C U L OS ...


                                              OS ÓCULOS
O velho e austero doutor Ximenes, um dos mais sábios professores da
Faculdade, tem uma espinhosa missão a cumprir junto da pálida e formosa
Clarice... Vai examiná-la: vai dizer qual a razão da sua fraqueza, qual a
origem daquele depauperamento, daquela triste agonia de flor que murcha e
se estiola.
A bela Clarice!... É casada há seis meses com o gordo João Paineiras, o
conhecido corretor de fundos, — o João dos óculos —, como o chamam na
Praça por causa daqueles grossos e pesados óculos de ouro que nunca
deixam o seu forte nariz de ventas cabeludas. Há seis meses ela mingua, e
emagrece, e tem na face a cor da cera das promessas de igreja — a bela
Clarice. E — ó espanto! — quanto mais fraca vai ficando ela, mais forte vai
ficando ele, o João dos óculos, — um latagão que vende saúde aos quilos.
Assusta-se a família da moça. Ele, com seu imenso sorriso, vai dizendo que
não sabe... que não compreende... porque, enfim, — que diabo! — se a
culpa fosse sua, ele também estaria na espinha...
E é o velho e austero Dr. Ximenes, um dos mais sábios professores da
Faculdade, um poço de ciência e discrição, quem vai esclarecer o mistério.
Na sala, a família ansiosa espia com rancor a gorda face do João impassível.
E na alcova, demorado e minucioso exame continua.
Já o velho doutor, com a cabeça encanecida sobre a pele nua do peito
da enferma, auscultou longamente os seus pulmões delicados: já, levemente
apertando entre os dedos aquele punho macio e branco, tateou o pulso,
tênue como um fio de seda... Agora, com o olhar arguto, percorre a pele da
bela Clarice — branca e cheirosa pele — o colo, a cinta, o resto... De repente
— que é aquilo que o velho e austero doutor percebe na pele, abaixo...
abaixo... abaixo do ventre?... Leves escoriações, quase imperceptíveis
arranhaduras avultam aqui e ali vagamente... nas coxas...
O velho e austero doutor Ximenes funga uma pitada, coça a calva, olha
fixamente os olhos da sua doente, toda alvoroçada de pudor:
— Isto que é, filha? Pulgas? Unhas de gato?
E a bela Clarice, toda de confusão, enrolando-se no penteador de
musselina como n’uma nuvem, balbucia, corando:
— Não! Não é nada... não sei... isto é... talvez seja dos óculos do João...

Um comentário: