quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O V A S O

                              O VASO
 
                             Oh! o lindo, o lindo vaso que Celina possuía! e com que carinho, com que meiguice tratava ela as flores daquele vaso, o mais belo de toda a
aldeia!
Levava-o a toda a parte: e, no seu ciúme, na sua avareza, não queria
confiá-lo a ninguém, com medo de que mãos profanas estragassem as raras flores que nele viçavam. Ela mesma as regava, de manhã e à noite: ela mesma as catava cuidadosamente todos os dias, para que nenhum inseto as
roesse ou lhes poluísse o acetinado das pétalas. E em toda a aldeia só se
falava do vaso de Celina. Mas, a rapariga, cada vez mais ciosa do seu
tesouro, escondia-o, furtava-o às vistas de todo o mundo. Oh! o lindo, o
lindo vaso que Celina possuía!
Certa vez, (era por ocasião das colheitas) Celina acompanhou as outras
raparigas ao campo. A manhã era esplêndida. O sol inundava de alegria e de
luz a paisagem. E as raparigas iam cantando, cantando; e as aves nas
árvores, gorjeando, e as águas do riacho nos seixos da estrada,
murmurando, faziam coro com elas. E Celina levava escondido seu vaso. Não
quisera deixá-lo em casa, exposto à cobiça de algum gatuno. E os rapazes
diziam: “Aquela que ali vai é Celina, que possui o mais belo vaso da
aldeia...”
Por toda a manhã, por toda a tarde, a faina da colheita durou. E,
quando a noite desceu, cantando e rindo as raparigas desfilaram, de volta à
aldeia. Celina, sempre retraída, sempre afastada do convívio das outras,
deixou-se ficar atrasada. E, sozinha, pela noite escura e fechada, veio
trazendo o seu vaso precioso...
Dizem na aldeia que aqueles caminhos são perigosos: há por ali,
rodando nas trevas, gênios maus que fazem mal às raparigas...
Não se sabe o que houve: sabe-se que Celina, chegando à casa, tinha
os olhos cheios de lágrimas, e queixava-se, soluçando, de que haviam
roubado as flores do seu vaso. E não houve consolação que lhe valesse, não
houve carinho que lhe acalmasse o desespero. E os dias correram, e
correram as semanas, e correram os meses, e Celina, desesperada, chorava
e sofria: “Oh! as flores! as flores do meu vaso que me roubaram!...”
Mas, no fim do nono mês, Celina consolou-se. Não tinha recuperado as
flores perdidas... mas tinha nos braços um pimpolho. E o João das Dornas,
um rapagão que era o terror dos pais e dos maridos, dizia à noite, na
taverna, aos amigos, diante dos canecos de vinho:
— Ninguém roubou as flores da rapariga, ó homens! eu é que lhes fiz
uma rega abundante, por que não admito flores que estejam toda a vida
sem dar frutos...

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